PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 46, DE 2023
Revoga o inciso VI do artigo 251 da Lei nº 10.261, de 28 de outubro de 1968 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado), que dispõe sobre a pena disciplinar de cassação de aposentadoria de servidores públicos.
20 – São Paulo, 133 (51) Diário Oficial Poder Legislativo
quarta-feira, 29 de março de 2023
Artigo 1º - Fica revogado o inciso VI do artigo 251
da Lei nº 10.261, de 28 de outubro de 1968.
Artigo 2º - Esta lei complementar entra em vigor na
data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
A Lei 10.261/1968, que estabelece as principais regras e normas
de conduta dos funcionários públicos, o seu “estatuto”, teve inspiração
nitidamente autoritária e antidemocrática, por razões contextuais do período em
que foi gestada, escrita e publicada.
Não raro, a força e o autoritarismo predominam de forma dura
sobre a maioria dos poucos direitos ali esboçados. Um dos exemplos dessa
preocupação em sufocar os direitos e a voz dos servidores públicos estaduais é
a lista de punições aos servidores.
Desde a pena de demissão pela participação em movimentos
paredistas – felizmente derrubada pela nova Constituição Estadual, editada em
1989 – até a proibição absurda de emitir opiniões e críticas aos dirigentes,
também derrubada após muita luta. Em todos esses incisos e artigos o que se vê
é um “cala-a-boca” com intenção clara de amedrontar o servidor público
estadual, submetendo-o ao viés administrativo e prendendo-o a um mutismo
imposto pelo medo.
Os tempos são outros, certamente. E, a duras penas, depois de
muita luta ou por decisões incontestáveis da Justiça esses absurdos vêm sendo
derrotados, um a um.
Um deles, o famigerado inciso VI, do artigo 251, que prevê a
pena de perda da aposentadoria. Lúcida, a Justiça vê a aposentadoria não como
um prêmio, mas como um direito de segurando do servidor, e, nesse sentido,
impossível de ser cassada, como se pode reconhecer em sentença abaixo
transcrita:
Decisão inédita do Tribunal de Justiça de São Paulo
reconhece a inconstitucionalidade da cassação de aposentadoria de funcionários
públicos e anula penalidade imposta a Delegado de Polícia.
Por quinze votos contra sete, os desembargadores do Órgão
Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos do Mandado de Segurança
n° 0237774-66.2012.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante
R.L.T. e impetrado
O Governador, conforme Acordão disponibilizado para
consultas no último dia 18, pela primeira vez neste Estado, desde a reforma
previdenciária determinadas pela CF de 1988 e Emendas Constitucionais n°s.
03/93 e 20/98, reconheceram a inconstitucionalidade da penalidade de cassação de aposentadoria prevista na Lei
Orgânica da Polícia Civil e Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado de São
Paulo, anulando a penalidade aplicada a delegado de Polícia aposentado desde
fevereiro de 2012 , em face de suposto procedimento irregular de natureza grave
ocorrido no ano de 2006.
Ementa:
MANDADO DE SEGURANÇA – Cassação de aposentadoria de
Delegado de Polícia pronunciada pelo Governador do Estado – Hipótese em que
incumbe ao Judiciário, no controle de legalidade, a verificação dos
antecedentes de fato e sua congruência com as justificativas que determinaram a
decisão administrativa, ou seja, o exame dos motivos que a ensejaram –
Disciplina punitiva que deve subordinar-se ao princípio da proporcionalidade em
sentido amplo, no qual se contêm a razoabilidade,
impondo-se então a equivalência entre a infração e a sanção aplicável
— Ato administrativo impugnado que contém indicação plausível dos motivos que
conduziram a autoridade apontada como coatora ao entendimento de que os fatos
atribuídos ao impetrante poderiam ser tomados como de natureza grave a ponto de
lhe ser aplicada a pena máxima, mostrando-se então legítima a opção adotada –
Insubsistência do ato, no entanto, pela manifesta incompatibilidade das leis
que preconizam a cassação de aposentadoria como sanção disciplinar com a nova ordem
constitucional, estabelecida a partir da promulgação das ECs n°s. 03/93 e 20/98
– Aposentadoria que não mais representa um prêmio ao servidor, constituindo um
seguro, ou seja, um direito de caráter retributivo face ao binômio
custeio/beneficio – Pena de cassação de aposentadoria que importa, ademais, em violação
aos princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana – Ordem
concedida.
Nesse sentido caminha esta propositura: botar uma pá de cal
em um dos últimos absurdos do “calaboquismo” dessa lei anacrônica e
autoritária, que há muito padece de uma revisão ampla, geral e irrestrita.
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, em 28/3/2023.
Carlos Giannazi - PSOL